Sacrifício do servidor público na pandemia
Vozes de autoridades e de cidadãos e cidadãs comuns, não raro, aludem à necessidade de que aos servidores públicos se deve impor algum sacrifício no enfrentamento da crise resultante da pandemia que decorre do avanço do novo coronavírus (COVID 19). Dizem que os servidores formam na sociedade o único grupo não afetado pelos efeitos dessa crise, pois têm os seus vencimentos mensais sem alteração, intocados os seus contracheques. Vejamos. A crise exige participação solidária. No que se diferenciam os servidores públicos dos demais trabalhadores com vínculos de subordinação? Neste momento de crise a principal – talvez única – diferença está na estabilidade do vínculo, estabilidade que garante ao servidor, em tese, o recebimento de sua remuneração regularmente. Disse “em tese” porque há exemplos de descumprimentos, tendo sido mais notórios, recentemente, os atrasos e parcelamentos pelos Estados do Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, ocorrências antecedentes à crise do novo coronavírus. Na rede privada, empresas sólidas e bem organizadas, apesar da crise, não impuseram perdas aos seus empregados, por isso que estes se encontram em situação semelhante à dos servidores públicos. Decerto que se pode dizer que, com o passar do tempo, se a crise perdurar, afetará também essas empresas sólidas e bem organizadas. É certo, mas, seguramente, se isso viesse a ocorrer – não há de – também os entes públicos não teriam condição de pagar os vencimentos dos servidores porquanto dependem de arrecadação de tributos advindos da atividade produtiva. Estaríamos diante do caos. No atual cenário, que se enfrenta com a quase certeza da temporariedade, os trabalhadores empregados podem sofrer com a perda do emprego. O servidor público tem o seu emprego protegido pela estabilidade e a perda do emprego ou cargo público até pode ocorrer por necessidade de adequação da despesa à dotação orçamentária (vide artigo 169, da Constituição Federal), mas depois de cumpridas determinadas exigências previstas na legislação. Nessa extremada hipótese da perda do emprego, o trabalhador da rede privada receberá pagamento das verbas rescisórias e o seu FGTS acrescido de 40%, enquanto que o trabalhador do serviço público nada receberia!
No atual cenário, que se acredita temporário, há permissão aos empregadores de suspensão dos contratos de trabalho ou de redução de jornada e do salário dos seus empregados, ensejando, em contrapartida benefício emergencial a ser pago pelo Estado aos trabalhadores que sofrem redução ou suspensão dos seus salários. Inimaginável tratamento “igual” ao servidor público. O pagador da remuneração do servidor público é o Estado. Ora, não teria nenhum sentido que o Estado pudesse suspender o vínculo ou reduzir a jornada do servidor e, em contrapartida, conceder benefício compensatório. A origem da remuneração do servidor é o erário, que é também o caixa do pagamento do benefício emergencial. Além disso, para o pagamento do benefício emergencial se adota o critério de tomar-se por base do cálculo o valor do seguro-desemprego que o trabalhador teria direito se ocorresse a rescisão do seu contrato. Pois bem, não há previsão legal de benefício do seguro-desemprego para o servidor público efetivo.
Algumas distinções: servidor público não tem FGTS, não tem direito a seguro-desemprego e contribui para a previdência social pelo total dos seus vencimentos, enquanto que o trabalhador da rede privada tem FGTS, se dispensado sem justa causa tem direito ao seguro-desemprego e contribui para a previdência até o valor fixado como teto.
Parece certo que todos devem ter participação solidária no enfrentamento da crise, por isso que vozes de autoridades e de cidadãos e cidadãs comuns lembram que os servidores deveriam ficar sem reajustes salariais. Os servidores públicos englobam: agentes políticos, agentes administrativos e militares. União, Estados e Municípios têm hoje mais de 11 milhões de postos de trabalho. Praticamente 60% deles são municipais, volume ampliado nas últimas décadas pela descentralização de políticas públicas em áreas como saúde, educação e ambiente. Municípios de pequeno e médio porte praticam largamente remuneração à base do salário mínimo, cujo reajustamento ocorrido neste ano foi quase imperceptível para o seu destinatário. Na esfera federal, para o ano de 2020, não há previsão de reajuste salarial na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, então os servidores públicos federais como que se anteciparam – ou foram “antecipados”, pois a decisão não lhes compete – e já deram a sua cota de sacrifício nesse aspecto. Assim é que vozes de autoridades e de cidadãos e cidadãs comuns quando exigem sacrifício do servidor público, clamam pelo que já existe.
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