Justiça se faz de casa

 

Justiça se faz de casa.

Agenor Calazans da Silva Filho

Juiz Titular da 25ª Vara do Trabalho de Salvador

Diretor-Secretário da Amatra5

 

Não é sem razão que se diz com frequência que direito é aquilo que o juiz diz que é, pois, de fato, a Lei entrega a esse servidor público a tarefa de decidir sobre situações de conflito e dizer de qual dos lados se encontra a razão. A Lei confere ao juiz a autoridade para dizer o que é o direito. O conhecido brocardo latino “Da mihi factum, dabo tibi ius” — traduzido livremente para "Dá-me os fatos que te darei o direito"  bem revela a importante missão que a Lei – vocábulo aqui utilizado em sentido lato – atribui ao juiz. Tendo em vista que o conceito do que é mais justo é muito relativo e varia de acordo com cada ser humano, casos idênticos nem sempre serão julgados da mesma forma, o que não significa que o juiz pode julgar como quiser, pois, em verdade, o Judiciário sempre estará atrelado às previsões legais, segundo a Constituição Federal, de modo que a decisão para ter validade deverá ser fundamentada em Lei.

Voltando ao brocardo, se sou eu o juiz, posso dizer: direi com quem está o direito depois que me forem ditos os fatos. A eficiência da prestação jurisdicional sempre depende da qualidade das informações que são transmitidas ao julgador. Primeiramente o juiz conhece os fatos (cognição), depois o juiz entrega solução tendente a equacionar pacificamente o conflito (prestação jurisdicional). Em qual ambiente são produzidos o conhecimento e a solução do conflito? O juiz trabalha no fórum, assim entendido o prédio ou imóvel usado como instalação dos serviços judiciários, mas a cognição e a solução do conflito não se desenvolvem exclusivamente nesse espaço físico. Aliás, a bem dizer, mais se exerce a cognição ampla e mais se elabora solução para os conflitos em espaços extravagantes dos prédios em que funcionam os fóruns. Sempre foi assim. Não é por outra razão que a lei exige que o juiz resida na comarca em que atua para melhor compreender as circunstâncias e costumes da região. Juiz é juiz 24 horas de todos os dias. Não é por outra razão que a lei dele exige “manter conduta irrepreensível na vida pública e privada”, então quando o juiz deixa o fórum continua juiz. Não é nos prédios em que funcionam os fóruns que as soluções dos conflitos são pensadas. Em sua imensa maioria, não é no fórum que as soluções são escritas e encaminhadas para encarte nos autos dos inúmeros processos. Bem a propósito cabe lembrar que no aflitivo período da recente pandemia decorrente da disseminação do novo coronavírus – covid 19, quando medidas de enfrentamento como o distanciamento social, que praticamente impôs que os serviços judiciários se realizassem de modo remoto, com a utilização de recursos telemáticos, o Judiciário pôde ostentar e expor haver galgado maior produtividade do que em períodos sem a anormalidade referida. Todos – juízes e servidores – atuando a partir de suas casas.

É certo que a lei também prevê a obrigação do juiz de “comparecer pontualmente à hora de iniciar-se o expediente ou a sessão, e não se ausentar injustificadamente antes de seu término” (LOMAN/35/VI). Todavia, há que se buscar fixar exatamente o sentido do comando legal. A lei refere “expediente ou sessão” propondo uma equivalência entre os vocábulos. Ordinariamente, sessões ocorrem em órgãos colegiados, quase sempre em tribunais de 2º grau de jurisdição, em momento de reunião dos magistrados para julgamento de recursos que lhes tenham sido distribuídos. A partir desse ponto de vista “expediente” seria o ato que, no primeiro grau, guardasse semelhante finalidade. Ocorre que no primeiro grau não há, necessariamente, momento exato de julgamento do processo, pois, o juiz profere sua decisão isoladamente para o que, obviamente, não precisa designar data e horário. Diferentemente, lavra sua decisão e a encaminha para encarte no caderno processual. Ato que se assemelha à sessão (reunião do colegiado), não pela finalidade, mas pelo necessário chamamento das partes e advogados, seria a audiência. Para as sessões são chamados partes e advogados e isso ocorre para a realização das audiências. Aliás, não é incomum entre os profissionais militantes no foro (juízes, advogados, membros do Ministério Público, peritos e servidores do próprio Judiciário) fazer referência às pautas de audiências como sessões de audiências. A ideia primeira de que “expediente” corresponda ao horário de funcionamento do fórum (horário de atendimento pelas serventias aos jurisdicionados e seus procuradores) não se sustenta, pois, então estariam obrigados os juízes de 1º grau à permanência no fórum do início ao término do horário previsto, enquanto que os magistrados que atuassem em colegiados estariam obrigados apenas ao cumprimento dos horários de sessões. A LOMAN vige desde 1979, por isso que cabe lembrar, por exemplo, que a jurisdição de 1º grau na Justiça do Trabalho, já foi exercida por órgão colegiado (Juntas de Conciliação e Julgamento extintas com a Emenda Constitucional 24/1999). Também cabe lembrar que, na esfera penal, existe atualmente a possibilidade de a jurisdição no primeiro grau ser exercida por órgão colegiado (Lei 12.694/2012).

Nunca se interpretou que a lei exigisse presença do juiz do início ao término do horário de funcionamento de Cartórios e Secretarias das Unidades jurisdicionais por uma razão muito simples: não é no fórum que o juiz efetivamente elabora suas decisões. Equivocada, pois, a Resolução do Conselho Nacional de Justiça quando faculta ao juiz optar por trabalho remoto, com o que permite supor que, contrario sensu, ao magistrado que não optar, estaria vedado!

Na verdade, os juízes sempre levaram processos para o exame em suas casas, no isolamento que lhes permite reflexão e assim ocorria mesmo quando o trabalho se realizava sem nenhum recurso telemático (volumes de papel eram transportados de um ponto a outro). O trabalho remoto é algo intrínseco na atividade do magistrado. Parece certo que a lei não quis impor ao magistrado que trabalhasse exclusivamente nas dependências do Fórum, mas se assim houvesse pretendido, o desuso já teria imposto a revogação daquele dispositivo legal.

Justiça se faz de casa e tanto é assim que os Tribunais desde muito tempo vêm cedendo em comodato funcional aos juízes, desembargadores e ministros de Tribunais Superiores, assim aos seus assessores e assistentes, equipamentos necessários à atividade jurisdicional, a exemplo de notebook, monitores, modem de acesso à internet e outros. Bem, se o magistrado que não optar por trabalho remoto vier a ser obrigado ao trabalho no espaço físico dos fóruns, terá chegado a hora da devolução desses equipamentos, cessando o comodato, pois, não haverá utilidade neles. Urge, no entanto, levar à consideração dos órgãos de controle do Judiciário que os horários de expediente normal (assim entendidos os de funcionamento para atendimento ao público externo) nunca – não é abusivo repetir – nunca foram suficientes à entrega da prestação jurisdicional e que, na atual quadra em que os órgãos se esforçam para reduzir despesas de várias ordens (de energia elétrica, de consumo de água, de conservação dos prédios etc.) e em razão disso também reduzem o expediente forense – no âmbito do TRT5 o expediente segue das 8h às 15h – o cenário se agrava de modo a inviabilizar resposta ao jurisdicionado. Não será possível despachar, realizar audiências (ouvir partes, testemunhas e peritos), atender advogados, alinhar entendimentos com assistentes, orientar calculista e proferir decisões cumprindo jornada das 8h às 15h, de segunda a sexta-feira.

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