Proteção demais desprotege

Quando se discute a disciplina legal das relações de trabalho não raro se diz que o excesso de proteção destinada aos trabalhadores termina por causar prejuízo aos próprios trabalhadores. Vários são os exemplos. Quando se conversa sobre estabilidade da gestante e prazo da licença-maternidade ocorre o argumento de que isso inibe oferta de emprego para pessoas do sexo feminino. Quando se conversa sobre a exigência de aviso prévio para a rescisão dos contratos de trabalho e se menciona que o prazo de antecedência do aviso é proporcional ao tempo de serviços sempre ocorre o argumento de que nesse caso melhor será que o emprego tenha curta duração, o que implicaria aumento da rotatividade da mão de obra. Em síntese, o que se diz é que a legislação trabalhista não é eficaz em seu intento protetor e até prejudica a quem pretende proteger.

Essa “cantiga” é antiga, por isso que haveria, um dia, de resultar mudança nos rumos da legislação. E aconteceu. Foi no ano de 2017, pela Lei 13.467, que se deu a mais incisiva reforma. A CLT, que diziam ser velha, passou a ser nova! Não haveria supressão de direitos, mas deixaria de ter a índole da proteção excessiva. Convenhamos, uma equação de dificílima resolução.

Apenas por mero exemplo, vejamos algumas alterações determinadas pela “reforma trabalhista” de 2017: suprimiu a necessidade de assistência sindical nas rescisões contratuais, instituiu a atividade por teletrabalho e a afastou dos preceitos sobre duração do trabalho e determinou reconhecimento na seara trabalhista de acordos extrajudiciais. Como dito, são apenas alguns exemplos.

A velha CLT determinava que, para a validade da rescisão do contrato de trabalho de vínculo com duração superior a um ano, houvesse assistência sindical. O ato livrava discussão quanto à efetividade do pagamento. Era – e ainda é – possível discutir o acerto ou desacerto dos valores, mas sempre se reconheceu certeza quanto à ocorrência do pagamento quando evidenciada a homologação pelo sindicato representativo da categoria profissional. E agora? Agora não há essa homologação e do empregador se pode exigir que comprove o pagamento não apenas com a assinatura do trabalhador (tantos são os casos de assinaturas em formulários não preenchidos, tantos são os casos de assinaturas apenas para viabilizar o levantamento do FGTS ou habilitação no seguro-desemprego e tantos são os casos de assinaturas sob coação, necessidade ou outro vício de consentimento). Sim, será possível exigir que a prova se complete com lançamento da despesa na contabilidade da empresa ou com o depósito em conta bancária da titularidade do empregado.

A velha CLT, embora previsse trabalho em domicílio e trabalho externo, não disciplinava o teletrabalho (aquele realizado com utilização de tecnologias de informação e de comunicação). Sobre o trabalho externo isentava o empregador de controle de jornada quando incompatível a atividade. A reforma disciplina o teletrabalho determinando que a esse regime não se aplique as disposições pertinentes à duração do trabalho, ou seja, não há controle de jornada. E agora?  Agora, se não houver controle de jornada, como saber, por exemplo, se um acidente ocorrido qualquer hora do dia ou da noite não se deu no exercício da atividade e, portanto, se trate de acidente do trabalho, o que traz consequências onerosas ao empregador?

A velha CLT não contemplava possibilidade de homologações de acordos extrajudiciais firmados diretamente entre empregado e empregador. Antes da reforma, se o empregador e o empregado pretendessem celebrar acordo extrajudicial poderiam fazê-lo, mas tal acerto não gozava da chancela Judicial. Não quer dizer que não fossem válidos. Eram, mas, como qualquer negócio jurídico, poderiam ser levados à discussão judicial. E agora? Agora a reforma impôs o acordo extrajudicial que é judicial! As partes entabulam o acordo, celebram e levam para homologação judicial. Ocorre que a homologação não é ato meramente automático, pois, embora o Juiz não possa modificar os termos do acordo, tem o dever de decidir sobre sua homologação. Vale dizer o acordo é extrajudicial, mas somente se torna válido com atuação judicial. Um contrassenso. Ademais, nesse tipo de acerto cada uma das partes deve estar assistida por seu respectivo advogado. Não é provável que o trabalhador, consciente de seus direitos, ceda ao acordo extrajudicial arcando com o ônus da remuneração do seu patrono, por isso que, decerto, haverá de ajustar que esse encargo fique na conta do empregador.

Da velha CLT se dizia protetora dos empregados. Das inovações na CLT são visíveis disposições de proteção ao empregador. De lembrar, porém, “proteção demais desprotege”.

 

                                                             Agenor Calazans da Silva Filho

                                                                       Juiz do Trabalho

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